domingo, 11 de março de 2012
Página infeliz
PÁGINA INFELIZ
Chico Alencar
“Somos o que fazemos. Mas somos, principalmente, o que fazemos para mudar o que somos.”
(Eduardo Galeano)
O Globo, publicado em 10 de março de 2012
“Brasileiro não tem memória”, diz o senso comum. Entretanto, um povo só avança em civilização conhecendo sua própria história. Esquecer períodos é postura obscurantista e perigosa: quem não se recorda do passado corre o risco de revivê-lo.
Os crimes de perseguição, tortura, assassinato e desaparecimento de presos políticos, cometidos pela ditadura civil-militar implantada com o golpe de 1964, foram hediondos. Ninguém pode ser conivente com eles. Quando se alega que também houve prática “terrorista” por parte daqueles que se insurgiram contra a ditadura, igualando-os aos torturadores, omite-se importante aspecto: enquanto o governo militar agia, sem legitimidade para tanto, sobre pessoas imobilizadas, os que ousavam resistir ao regime pagaram seus atos com prisão, sevícias cruéis, exílio ou morte. Já foram violentamente punidos, sem limites. Seus algozes, por outro lado, até ascenderam na hierarquia do serviço público ou no mundo empresarial!
Não há revanchismo: ninguém quer torturar torturadores, realizar prisões ilegais e negar direito de defesa, mas fazer valer o direito à memória e à justiça. Passado é o que passou e o que, sendo devidamente lido e relido, nos constitui. A máquina de terror montada pela ditadura não pode ser “página infeliz” virada, arrancada ou lida às pressas. Nem “passagem desbotada na memória das nossas novas gerações”, como alerta a denúncia poética de Chico Buarque e Francis Hime.
A sociedade tem o direito irrenunciável de conhecer quem ordenou a tortura e torturou, quem montou a estratégia, quem a financiou, quem praticou atos tão covardes que nem mesmo o regime, embora os tenha organizado “cientificamente” e exportado know how para ditaduras vizinhas, os assumiu.
A consciência democrática não compreenderia a adesão da oficialidade contemporânea a processos espúrios, que só desonraram seus estamentos. Que corporativismo seria aquele que defendesse como seu “patrimônio” práticas que atentaram contra os mais elementares direitos das pessoas? Ou que corroborasse, passadas três décadas, escandalosas mentiras?
O princípio humanista garante que as famílias que não tiveram sequer o direito de sepultar seus entes queridos, ou que viveram o drama indizível de sabê-los nas masmorras, sofrendo todo tipo de agressão, conheçam seus carrascos. Para usar, se desejarem, o direito de acioná-los judicialmente. Os protagonistas da repressão encapuzada devem ter a hombridade de reconhecer que praticaram atrocidades, caminhando assim para o que em direito se chama de “arrependimento eficaz”, como ocorreu na África do Sul.
A Comissão Parlamentar da Verdade, que já tarda, e suas similares nos Legislativos, devem atuar dentro deste viés humanista: com firmeza, serenidade e visão de processo histórico.
CHICO ALENCAR é deputado federal (PSOL-RJ).
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Acho um absurdo essa Lei da Anistia.Os que lutaram contra a ditadura,contraos que usurparam o poder no legítimo direito de insurreição,reconhecido pelo Direito Internacional, foram presos,torturados,julgados. Cumpriram penas e muitos morreram e desapareceram.
ResponderExcluirJá os torturadores,os assassinos das forças ilegítimas de repressão esses aí estão impunes e ainda ameaçam "virar a mesa" se a Comissão da Verdade se instalar e fizer o seu trabalho. Isso é inaceitável.
Todo poder a Comissão da Verdade.
Nós, jovens, temos o direito de saber o que ocorreu no país durante os anos de terror que a ditadura implantou,porque ocorreu e como ocorreu.
Um tio-avô meu,era líder operário em Volta Redonda e desapareceu em 1969,para desespero de toda a família.Deixou cinco filhos menores que até hoje procuram localizar os restos mortais do pai,sem sucesso.
Diana
Todo apoio a Comissão da Verdade. Diana grato por postar no meu blog
ResponderExcluirPletsch